Durante todo o dia são as pequenas coisas que mais me fazem falta. Sinto saudade do cheiro que fica depois da chuva, sinto saudade do tempo em que olhares falavam pelas palavras mal pronunciadas, tamanho era o nervosismo. Sinto falta do orvalho embelezando as manhãs de inverno. Sinto falta de gestos e gentilezas. Sonhos pequenos, realizáveis. Todo dia sinto a falta de um abraço de verdade, sem pretensões, cheio de um sentimento real, que existe e que seja recíproco. Sinto saudade de comer frutas. Saudades de me divertir de verdade, com pessoas de verdade, com sorrisos verdadeiros. Sinto falta de alguns familiares, aqueles que não pude ter, não pude conviver. Sinto saudades de soltar pipa, de pular tábua, de ser o exemplo na escola. Sinto saudades de quando era bem recebido, bem visto, bem acompanhado, e na presença de dificuldades era imediatamente interpretado, confortado.
Nos dias azuis com poucas nuvens, esses dias, embora muito inspiradores, sinto falta de uma inspiração, de um compartilhamento qualquer que seja, frases, risos ou silêncio para agradecer tamanha beleza natural. Nos dias chuvosos é a falta de um guarda chuva real minha grande tristeza, daqueles que resistem a qualquer tempestade, prontos para sofrer por mim a queda de granizos e me guardar de um futuro resfriado. Nesses dias é a falta de um chá quente com um bom filme minha maior falta, ou então um belo banho de chuva sem a preocupação com o depois, com os problemas, com as próximas responsabilidades. É justamente o esquecimento de todas minhas preocupações que sinto falta. Todos os dias tenho saudade de assistir o pôr-do-sol sentado em uma montanha ouvindo o silêncio confortante da despedida do sol. Sei que ele voltará, especialmente para mim, para me rever.
Sinto falta dos interesses sinceros e inocentes, das mensagens de bom dia ou de um bilhete surpresa guardado no meio das folhas de um livro. Nos dias frios, é a frieza dos corações que gostaria de ver longe, longe do meu caminho. É a minha estação e, contudo, não pareço estar satisfeito com esse cenário, é a falta de alguém, de um cachecol, de uma árvore sem folhas, da delicadeza de um rouxinol. Sinto falta do balanço amarrado num galho alto de uma árvore, daquelas em que se podia subir e ficar por horas a fio comendo os seus frutos. Nos dias difíceis sinto falta daquela companhia insubstituível que não fica perguntando sobre mim ou qual a causa da minha expressão triste e sonolenta. Nesses dias a maior falta é daquele ser indescritível que faz de tudo para alegrar o dia, com brincadeiras inimagináveis e ao mesmo tempo filosoficamente morais e animadoras. Tenho saudades das cartas, das escritas, da minha criatividade. Tenho sentido falta das mudanças construtivas, de casais menos dependentes, com vida própria, equilibrados.
Sinto falta da minha velha bicicleta pequena e rosa, sinto falta das minhas aventuras com ela. A maior parte do dia o que me faz falta é uma presença entre um milhão de ausências. E para tentar esquecer ou recompensar tamanha falta, é preciso culpar outros tipos de necessidade, falta involuntária. Sinto falta do tempo em que todas as roupas eram confortáveis e suficientes. Sinto falta de ouvir músicas com letras reais, inspiradoras, perceptivas. Aliás, uma das maiores faltas do meu dia-a-dia é encontrar um olhar atento, perceptivo como o meu. Não para grandes feitos, não para grandes qualidades. Mas um olhar atento para o que vem do pouco, do delicado, do menos, da boa intenção, do gesto original. Sinto falta de alguém que sinta essa falta. Sinto saudades de sentir meu coração acelerado por bons motivos, novidades de encanto, fortaleza negociável. Sinto falta de um bom sorvete com cinco sabores e camada dupla de chocolate, chantilly e amendoim.
Sinto saudades das respostas fáceis, das resoluções para os grandes questionamentos. Sinto falta de quando tinha vontade de escrever e escrevia, mesmo que fosse um rascunho ilegível e completamente fora de publicação. Tenho saudades de beber água gelada no meio da madrugada, de ler livros e mais livros. Sinto falta de quando as pessoas não sentem falta de nada, vivem como se a vida fosse uma passarela, acenam e na verdade estão vazios por dentro. Não mais se questionam, não mais se desafiam, não mais pesam suas atitudes, não se doam ao próximo, não medem suas construções ou quem ficou embaixo delas, para elas o importante é que estejam bem altas e firmes. Sinto falta de um colchão que não me faça acordar como se tivesse sido espancado durante toda noite. Sinto saudades de sentir coragem. Sinto saudades de fazer pessoas sorrirem, seja por um tropeço meu no chão, no ar, no pensamento ou por uma daquelas caretas espontâneas, marcas registradas. É essa minha maior falta, a espontaneidade! A minha, a dos outros, a do mundo inteiro. A verdade é que tenho sentido minha falta, sua falta, falta da minha fé. Tenho sentido falta daquela alma discreta, calma, reflexiva, leve, cooperativa. Se a encontrar, por gentileza me avise, irei correndo buscar! Pois, na imensidão desse lugar não há nada mais importante e que você vá sentir mais falta do que de você mesmo, de quem costumava ser, de quem você é, das coisas que te fazem crescer. Portanto, antes ainda de ver, assumir, conviver, evoluir e despertar preciso me achar. Assim que estiver pronto minhas faltas passarão a ser as suas também. Não há mais necessidade de caminhar sozinho, pois, o que mais sinto falta nessa vida é a elegância dos momentos particulares. É o convite para ser parte de outra vida.
Texto: Ana Carolina Chin
Fotografias: Paloma Dias - Gessica Rocha